Artigo publicado na Revista Balde Branco, por Marcos Giesteira.
Maria Cristina e Vander Ferreira: trabalho integrado no controle do rebanho
Até pouco tempo atrás, o produtor João Vander Ferreira, 54 anos, preferia ser conhecido pela produtividade da lavoura de soja que cultivava na Fazenda Céu Azul, no município de Silvânia-GO. Mas, ultimamente, o seu maior orgulho mudou para outro ramo da agropecuária e se transformou nos índices de produção das vacas Holandesas criadas na mesma terra. Agora, a máxima de que “plantador de soja não tira leite” foi substituída por “um bom produtor leiteiro surge a partir de um agricultor competente”.
Defensor da oleaginosa desde que adquiriu a propriedade, em 1998, Ferreira sempre optou pela rentabilidade dos grãos ao invés de se arriscar na complexidade da pecuária na hora de planejar as áreas das suas duas fazendas – a outra está localizada em Santa Cruz de Goiás-GO. Depois de iniciar de forma amadora na atividade em 2002, ele recebeu o incentivo da esposa Maria Cristina e investiu na profissionalização do negócio a partir do ano seguinte, aproveitando a qualificação dela – de engenheira eletricista – e a possibilidade de maior lucratividade com os animais do que com as plantações.
Com alimentação em abundância nos campos e uma maior capacidade administrativa, a aposta se mostrou acertada e os resultados não tardaram a surgir. De forma gradativa, a média diária passou de 300 litros para a impressionante marca de 7.500 litros atualmente. “A soja é um negócio de risco. Eu precisava diversificar e ter um ganho mensal certo. Até dois anos atrás, a lavoura era a principal fonte de renda. Hoje, o que produzo em leite nos 503 ha da Céu Azul equivale aos 1.300 ha de soja da outra fazenda”, confessa Ferreira.
Segundo o consultor Edilberto Marra Carneiro, o fornecimento das culturas colhidas para o gado e a possibilidade de agregar valor com a venda do produto é uma tendência nas regiões de agricultura avançada do Estado, como no Sudeste até o município de Cristalina e no Sudoeste. “Com a produtividade alta nos campos fica mais fácil a transferência para a pecuária leiteira. A soja está no limite, sendo que o leite pode duplicar na mesma área”, acredita.
Ferreira e a silagem de grão úmido de milho
Nesse sentido, o presidente da Comissão de Pecuária de Leite da Faeg-Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás, Antônio da Silva Pinto, aponta o crescimento da prática de integração lavoura-pecuária (ILP) no Estado, mas ressalta que o modelo aplicado ainda é tradicional, onde a leguminosa representa a maior fonte de renda – comercializada para indústrias de beneficiamento de farelo e óleo – e somente o período de entressafra (de maio a agosto) é reservado para o cultivo de variedades destinadas à nutrição do rebanho, como o milho, sorgo ou pastagem.
ILP ganha espaço no Estado - “Existem casos localizados, mas a safra principal continua sendo vendida, e apenas o produto cultivado na safrinha vai para a ingestão animal. Quem planta 2 mil ha até pode usar 100 ha direto para o gado, mas o contrário é muito raro”, pondera. Mesmo assim, diz que o volume de leite produzido é relativamente grande. É esse motivo, somado à genética dos bovinos, ao trato diferenciado e à oferta de grãos, que faz Goiás ser um fornecedor regular da matéria-prima láctea.
A produção estimada para este ano é de 2,9 bilhões de litros, com cerca de 3,5 milhões de cabeças. “A atividade está em todas as 246 cidades goianas e produz o ano todo. É por isso que conseguimos manter a estabilidade de captação tanto na seca quanto na época de águas sem oscilações grandes”, enfatiza.
Para Ferreira, que desde pequeno ajudava os pais na roça e começou a sobreviver profissionalmente do ofício agrícola em 1986, quando arrendou uma área em Montes Claros de Goiás, a verdadeira ILP é saber conciliar os sistemas aproveitando a experiência adquirida e a estrutura que a agricultura oferece para desenvolver a pecuária com menos despesas. “O agricultor tem todo o maquinário disponível com tecnologia melhor e terras preparadas para plantar. O que me entusiasmou foi produzir com menor custo”, afirma.
Outro aspecto que atraiu o mineiro de Guimarânia foi o aproveitamento dos funcionários das propriedades nos períodos de maior demanda. “Quando estoco silagem, estou fazendo uma poupança. É um bom negócio transformar em leite. Além disso, com o plantio direto da soja, o pessoal fica ocioso do final de abril até outubro, que é a época de seca, quando o gado está confinado é que mais precisamos de mão de obra”, explica.
Produção de silagem de milho tem como base uma área de 110 ha
Pelos cálculos de Carneiro, Ferreira produz uma tonelada de silagem ao custo de R$ 36, enquanto os outros gastariam cerca de R$ 60 para fazer. “O agricultor tem uma maior capacidade de empreender. O seu processo de decisão é mais rápido e ele tem poder de investimento superior ao do pecuarista”, aponta.
Produtor leiteiro há 17 anos, Pinto ressalta que além de reduzir as gastos, a ILP explora ao máximo o potencial da terra e evita desmatamentos. Mas confirma as opiniões anteriores e alerta os desavisados. “É fundamental ter a experiência da agricultura para obter êxito na pecuária. Eu não faço ILP totalmente porque não sou especialista. Quem é agricultor vai ter mais facilidade e eficácia. No meu caso, é preciso terceirizar. Se eu atrasar a aplicação de um defensivo na lavoura, isso pode acabar comprometendo o funcionamento”, reconhece.
Gestão e ousadia aumentam o leite - O maior salto na produção da Fazenda Céu Azul ocorreu a partir de 2007, quando o casal realizou uma obra ousada: a substituição da sala de ordenha com balde ao pé e capacidade para oito animais por uma nova estrutura que permite a captação de seis conjuntos simultaneamente. O reflexo apareceu logo: a média tirada chegou a 1.800 litros/dia e dobrou no ano seguinte.
Rebanho recebe dieta total, com boa parte dos ingredientes produzida na fazenda
Com um plantel de 719 fêmeas, mas apenas 277 em lactação, a expectativa é elevar as estatísticas quantitativas em breve, já que 52% do rebanho é composto por animais jovens. “Em 2009, a média diária por animal era de 20 litros, em duas ordenhas. Neste ano, o índice passou para 27 litros em três sessões por dia. A nossa previsão é chegar em abril de 2011 com 384 vacas em lactação e atingir 10 mil litros/dia”, projeta os números de Maria Cristina.
Atualmente, o rebanho em lactação é de 277 vacas, com produção de 7.500 litros/dia
Hoje, a propriedade vive direcionada para o gado de leite. Seus 503 ha são divididos em lavouras de soja, milho e cana-de-açúcar e em pastagens de braquiária, capim-mombaça e tifton. A maior parte do terreno – 110 ha – é destinada para silagem de milho. Toda a soja colhida em 106,7 ha é trocada por farelo, ingrediente fundamental do concentrado utilizado na dieta bovina, elaborado juntamente com a silagem do cereal. A essa pré-mistura é acrescentado o suplemento produzido com milho grão úmido, caroço de algodão, casca de soja e núcleo vitamínico mineral.
A dosagem é feita em um vagão misturador, que pesa e distribui os nutrientes com base no retorno de cada lote. Ao todo são sete grupos, distribuídos conforme a produtividade média. Os que comem mais estão na faixa dos 40,8 kg/dia, enquanto a menor porção vai para as fêmeas em fase final de lactação, que alcançam somente 12,3 kg/dia. Um dos destaques é a quantidade atingida pelas novilhas primíparas: 26,3 kg/dia, nível de vacas em plena vitalidade.
Na época de chuvas, o conjunto menos eficiente fica em um piquete rotativo com pastagem. Durante a seca, o confinamento é o destino de todo o gado. As fêmeas novatas recebem cana-de-açúcar picada enquanto as de melhor produção têm direito à silagem de milho. “A única coisa que é comprada é o caroço de algodão, a casquinha e o núcleo. Uso uma variedade de soja precoce, com ciclo de 95 dias, e é plantado milho e sorgo como safrinha para silagem”, descreve.
Para o futuro, existe a intenção de adquirir uma máquina extrusora que permitirá a obtenção do farelo de soja dentro da própria fazenda e ainda extrair óleo vegetal para pulverização da lavoura. Outro plano é desenvolver um pré-secado de tifton ou feno para incrementar o cardápio.
Sanidade no rebanho e leite de qualidade - De acordo com o médico veterinário da empresa Classivet, Marcelo Fernandes Rezende, que presta assistência técnica para a Céu Azul desde 2003, além do elevado grau de eficiência produtiva, a taxa de exemplares em lactação (81%), o índice de concepção (40%) e a saúde dos ruminantes – que nunca registraram casos de brucelose e tuberculose – comprovam o sucesso do empreendimento familiar.
A quantidade de sólidos – 4,03% de gordura e 3,23% de proteína – e os índices sanitários – CBT em torno de 10.000 UFC/ml e CCS entre 175.000 e 200.000 células/ml – são considerados excelentes no Estado e em qualquer lugar do mundo. “Os animais têm alta produção sem afetar a capacidade reprodutiva. Isso é muito raro de acontecer”, revela Rezende. O reflexo é visto no bolso. Ferreira recebe R$ 0,15 (num máximo de R$ 0,17) de bonificação por litro de leite em razão da qualidade do produto entregue na CoopGoiás-Cooperativa dos Produtores de Leite do Estado de Goiás, filial da Itambé.
Para as novilhas, é reservado sêmen sexado. O objetivo é padronizar o rebanho
Mas o caminho do crescimento ainda passa pela reprodução do plantel. As vacas são acasaladas, pontuadas nos aspectos que precisam ser corrigidos e inseminadas com o sêmen de touros específicos para tais características, sempre da raça Holandesa. Já às novilhas é reservado sêmen sexado. O objetivo é padronizar o gado com a raça. “Acredito que poderei agregar mais valor tendo um padrão. O Holandês come mais, mas produz mais no sistema confinado. Como tenho fartura de comida, é a melhor opção”, destaca.
Mesmo se dizendo “uma pessoa sem curso superior”, Ferreira demonstra sabedoria quando assume que não dá nenhum passo sem orientação profissional. Qualquer assunto é discutido junto com a equipe – formada por Rezende e pelo também médico veterinário Adriano Felipe Arantes, da Nutron Alimentos – antes da decisão final. Até mesmo os filhos, Danilo, 26 anos, e Murilo, 29 anos, economista, colaboram na administração. O caçula, que é engenheiro de produção, acompanha o programa de gestão e controle financeiro desenvolvido pela Rehagro, aplicado na Céu Azul desde fevereiro.
Adepto do trabalho em conjunto e da distribuição dos louros entre todos, ele destaca a importância das funções desempenhadas pelos nove colaboradores fixos; gente como o casal Diogo Rodrigo Castro Sobrinho e Heloísa Aparecida Silva Castro. A dupla responde pela parte de inseminação, alimentação e ordenha, respectivamente. “A qualidade que conseguimos é mérito do grupo. Credito isso aos funcionários que têm trabalhado com muita dedicação. Valorizamos a contribuição de cada um e podemos dizer que temos um pessoal capacitado e comprometido”, se orgulha o ex-centroavante do juvenil do Goiás Esporte Clube.
Mais informações: Fazenda Céu Azul; telefone: (62) 3332-9235/ 9156-0005.
O leite em Goiás
• Goiás possui 145 mil propriedades rurais. Desse total, 83% são pequenas propriedades; 11%, médias, e 6%, latifúndios;
• Destas, 123.907 possuem atividade pecuária, sendo 69.121 ligadas à produção de leite;
• O Estado produz hoje, em média, 8 milhões de litros de leite/dia e seu parque industrial tem uma capacidade de processamento de 16.050 milhões de litros/dia;
• A produção estimada de 2,9 bilhões de litros/ano representa 12,3% do total nacional, sendo apenas 15% consumidos no Estado;
• Praticamente 100% do leite goiano é resfriado na propriedade e 80% da produção de derivados lácteos são exportados para outros Estados da Federação e países.
Fonte: IBGE e Faeg.