Hoje, a indústria do leite do Brasil discute profundamente sua competitividade, movida pelos ventos liberalizantes que, ao que tudo indica, devem abrir e desregular a economia brasileira de forma continuada. A abertura do mercado chinês aos produtos lácteos brasileiros e o futuro acordo Mercosul-EU são indicativos dessa tendência, que traz riscos e oportunidades. A concorrência vinda de fora vai aumentar, mas por outro lado, os novos mercados podem representar fronteiras de expansão inéditas para uma indústria que, hoje, atende basicamente ao mercado doméstico.
Essa discussão também é motivada pela entrada em vigor, em maio, das Instruções Normativas 76 e 77, que fixam as características de qualidade para o leite cru refrigerado, o leite pasteurizado e o leite pasteurizado tipo A. Ao exigir controles e monitoramentos do leite desde o campo até seu processamento, as normativas visam a profissionalização do setor. Há um endurecimento da responsabilidade relativa à qualidade da matéria-prima.
Por isso, a produtividade e a qualidade do leite brasileiro estão em pauta. E há indicadores de que os produtores de leite brasileiros podem aumentar muito sua competitividade a partir da melhor gestão de seus rebanhos. É o que mostra a última edição do Índice Ideagri do Leite Brasileiro (IILB), calculado a partir dos dados de quase mil fazendas com bom grau de tecnificação que, em conjunto, possuem cerca de 250 mil matrizes e respondem por 4% da produção nacional.
Do ponto de vista da produtividade, o IILB mostra, por exemplo, que há uma importante diferença entre as fazendas classificadas entre as “top 10%” da análise, que produzem 20% mais leite por animal, em comparação com a média geral. Vários fatores explicam essa diferença. A taxa de prenhez, um indicador essencial para a eficiência produtiva, é até 42% superior nas melhores fazendas. A mortalidade de fêmeas de até 12 meses é 42% menor nas melhores fazendas. Esses e outros indicadores do IILB mostram grande potencial de melhoria para os produtores que investirem em ferramentas de controle mais modernas, como softwares de gestão, além de maior capacitação e melhores equipamentos.
Há uma relação direta entre a gestão da parte produtiva e reprodutiva na fazenda e a qualidade do leite. A última edição do IILB traz um recorte especial, com dados de controle de qualidade de leite atualizados nos últimos 12 meses, por 179 fazendas (20% da base do levantamento). Usando o parâmetro da contagem de células somáticas (que indica a saúde da glândula mamária de vacas) verificou-se que as fazendas mais bem administradas possuem qualidade do leite muito superior.
Pelas Instruções Normativas 76 e 77, o limite máximo de CCS permitido é de 500 células por mililitro de leite. Do total de 179 fazendas, 30% estão acima deste limite. O dado é preocupante porque aponta um potencial risco de sustentabilidade do negócio para os produtores. Pelas novas normativas, os laticínios são proibidos de receber leite fora de especificação.
A saída, mais uma vez, é a gestão. Entre as fazendas analisadas, as que obtiveram um índice IILB acima de 6 (uma nota que vai de 0 a 10, indicando a qualidade da gestão das fazendas) atendem as normativas em 88% dos casos, contra apenas 40% das que tiveram nota IILB abaixo de 2.
A abertura do mercado brasileiro abre oportunidades para os produtores, mas traz também desafios. Nesse ambiente de maiores exigências, fica clara a necessidade do crescimento da profissionalização do setor leiteiro no Brasil. Chegou a hora dos produtores de leite brasileiros dedicar especial atenção à qualidade do leite nas fazendas.