A pandemia causada pelo Novo Coronavírus evidenciou a eficácia das tecnologias que têm se tornado ferramentas para contornar o distanciamento social e manter a união das pessoas, bem como as relações profissionais e a sobrevivência de muitas empresas. Se o mundo passa por grandes transformações, na pecuária leiteira não é diferente.

A previsão de que a população global chegue a 9,5 bilhões de pessoas em 2050, e com o consequente aumento da demanda mundial, o consumo de proteína animal, como ovos, carne e leite deve aumentar em mais de 70% (United Nations, World Population Prospects, 2017). Assim, fornecer alimentos para a crescente população mundial por meio de recursos naturais limitados torna-se um grande desafio para a agropecuária. Este desafio se estende para dentro das fazendas, tornando a manutenção da saúde, o monitoramento e a produtividade animal, tarefas cada vez mais importantes.

Ao mesmo tempo, o cenário atual relatado nas principais regiões leiteiras do mundo é de redução no número de fazendas em atividade. Para contrapor este fato, aquelas propriedades que permanecem em produção tendem a passar pelo crescimento do tamanho médio dos rebanhos e/ou aumento na produtividade de leite por vaca.

Os produtores que consideram expandir seus negócios precisam garantir as melhores práticas de manejo, nutrição, melhoramento, bem-estar animal e, ao mesmo tempo, serem altamente eficientes na gestão dos recursos socioeconômicos, humanos e ambientais que envolvem a produção de leite. À medida em que as propriedades leiteiras continuam a aumentar o número de animais, o monitoramento individual e preciso dos mesmos se torna cada vez mais necessário, porém, desafiador e complexo, exigindo maior atenção e capacidade de gerenciamento para a tomada de decisões assertivas. Com isso, sistemas tecnológicos cada vez mais sofisticados são criados e adaptados para serem empregados na pecuária, aumentando consideravelmente a eficiência dos sistemas de produção.

PECUÁRIA DE PRECISÃO

O conceito de pecuária de precisão, muito estudado e debatido nos últimos anos, envolve uma variedade de ferramentas que utilizam as tecnologias de informação e comunicação para melhor controle da variabilidade animal e de recursos físicos disponíveis em escala reduzida. Dessa forma, proporciona maior agilidade na obtenção de dados e permite otimização do desempenho econômico, social e ambiental das fazendas leiteiras, com melhorias no gerenciamento e produtividade dos rebanhos.

No Brasil, 68% do incremento na produção de leite nos últimos anos se deve à adoção de tecnologias. Além disso, pesquisas demonstram que fazendas que adotam algum tipo de tecnologia de precisão apresentam redução de até 23% das horas trabalhadas por vaca/semana, quando comparadas àquelas que não fazem uso de sistemas de monitoramento por nenhum tipo de sensor.

Diversas ferramentas tecnológicas podem ser aplicadas aos sistemas leiteiros, desde medidores de leite em linha e sistemas eletrônicos de identificação de vacas e bezerras, até automação dos sistemas de produção, que envolvem: extratores automáticos de teteiras, portões de triagem e seleção animal, alimentadores automáticos, desinfecção pós-ordenha e sistemas de lavagem automáticos. Além disso, outras tecnologias de precisão já estão sendo utilizadas para monitorar parâmetros individuais dos animais para aumentar a eficiência da produção e o desempenho das fazendas leiteiras.

O Quadro 1 foi elaborado para que você possa conhecer um pouco mais sobre a variedade e aplicação de algumas tecnologias disponíveis que podem ser utilizadas nas fazendas leiteiras.

TECNOLOGIAS DA PECUÁRIA DE PRECISÃO

Dentre as tecnologias da pecuária de precisão, o desenvolvimento de sistemas de sensores pode ser subdividido em quatro níveis:

1- Tecnologia ou sensor que mede algum parâmetro da vaca individualmente (ex.: tempo de ruminação);

2- Interpretações que resumem as mudanças nos dados do sensor para produzir informações sobre o estado da vaca (ex.: queda da ruminação ou de atividade que geram alertas de saúde);

3- Integração de informações complementares a outros conhecimentos para gerar sugestões (valor econômico);

4- O produtor toma uma decisão ou o sistema de sensores toma a decisão de forma autônoma (ex.: alerta para acionar o médico veterinário e/ou colaborador responsável).

As tecnologias oferecem a possibilidade de melhorar a eficiência do trabalho, especialmente em grandes propriedades, onde o manejo individual e os cuidados direcionados se tornam difíceis, devido ao grande número de animais que necessitam de atenção. Assim, a pecuária de precisão oferece diversas oportunidades ao desenvolvimento dos sistemas agropecuários, entretanto, é extremamente importante que se tenha em mente que nenhum conjunto de dados, por si, é capaz de solucionar problemas e tomar decisões.

Para isso, é necessário que o produtor e/ou colaborador estejam aptos a interpretar os dados fornecidas pelos sistemas e transformá-los em informação útil. Assim como disse Clive Humbly, matemático do Reino Unido e arquiteto do Clubcard da Tesco: “Os dados são como petróleo. Valiosos, mas se não forem trabalhados, refinados, não podem ser usados. Ele precisa ser transformado em combustível, gás, plástico, produtos químicos etc, para que lhe seja agregado valor”.

Então, nos resta perguntar: Diante de tantas vantagens, quais as razões para as dificuldades na implantação desses sistemas em fazendas leiteiras?

A DECISÃO DE UTILIZAR SISTEMAS DE SENSORES

De acordo com algumas pesquisas, vários aspectos influenciam a decisão do produtor em aderir às tecnologias de precisão, sendo as principais:

1-Compatibilidade com a fazenda: Representa o grau em que uma inovação é avaliada como consistente com os valores, experiências e necessidades especificas do sistema de produção.

2- Custo-benefício da tecnologia/vantagem relativa: Diz respeito ao grau em que uma inovação é percebida como melhor do que o já implementado. Isso envolve diretamente o custo, pois o interessante é avaliar não o desprendimento econômico, mas sim o benefício da tecnologia.

3- Complexidade: Refere-se ao grau em que uma inovação é percebida como difícil de implementar e entender. Tecnologias que demandam maior necessidade de manipulação do produtor para a análise de dados são mais complexas e mais difíceis de serem implementadas do que aquelas que são de fácil interpretação.

4-Possibilidade de período de teste na propriedade: Novas ideias que podem ser experimentadas antes da compra, geralmente, terão maior possibilidade de serem aceitas e adotadas mais rapidamente. Uma inovação “experimentável” representa menos incerteza e maior confiança para o indivíduo que está considerando sua adoção, funcionando como um “test drive”;

5-Observação: Refere-se ao grau em que os resultados de uma inovação são visíveis para os outros. Quanto mais fácil for ver os resultados de uma inovação, mais fácil se tornará a divulgação e o alcance da tecnologia. Produtores, assim como compradores em geral, tendem a confiar nas opiniões e experiências de outros produtores, mais do que nas próprias opiniões técnicas.

A capacitação do produtor e dos colaboradores, o tempo de utilização e retorno econômico do investimento também foram apontados como fatores importantes em pesquisas de opinião. Vale observar que um dos fatores para resistência à adoção de tecnologias, intimamente ligado a todos os citados acima, é a assistência técnica continuada. Isso ocorre principalmente devido à diferença de personalidades, valores e crenças. Muitos produtores revelaram ter receio, ou mesmo já terem passado pela situação, de adquirir tecnologias e não ter a devida assistência por parte da empresa após a compra, no que diz respeito à interpretação e utilização dos dados.

Por isso, para quem quer atuar neste ramo, é importante ter em mente que um planejamento para acompanhamento após a aquisição dos sensores e o treinamento das equipes que irão lidar com a tecnologia são fundamentais para construir a confiança do produtor.

Da mesma forma, você produtor também pode tomar essa iniciativa, e abordar a necessidade desse acompanhamento diretamente com a pessoa que o atende. Não podemos perder boas oportunidades por desconhecimento, por isso, para sentir maior segurança antes da adoção de tecnologias de precisão, tente esgotar ao máximo o assunto com quem já tem alguma experiência com determinada ferramenta que lhe foi apresentada.

Toda tecnologia pode ser importante para um sistema de produção, desde que ela seja capaz de gerar informação útil para o sistema. O avanço da tecnologia não tem volta, precisamos estar abertos e aptos a interagir com as mudanças. A era dos sensores veio para agregar valor e qualidade ao nosso tempo e produto. Várias são as formas de obter informação de precisão, mas o melhor equipamento de decisão nas fazendas produtoras de leite, sem dúvidas, ainda é a capacidade humana de interpretar. Precisamos aprender com as mudanças e caminhar ao lado delas

VANESSA AMORIM TEIXEIRA
Doutoranda em Produção Animal, EV. UFMG, Integrante GPLeite
HILTON DO CARMO DINIZ NETO
Doutorando em Produção Animal, EV. UFMG, Integrante GPLeite
MAYARA CAMPOS LOMBARDI
Doutoranda em Ciência Animal, EV. UFMG, Integrante GPLeite
SANDRA GESTEIRA COELHO
Professora Titular, EV. UFMG, Coordenadora GPLeite