A Fazenda Ponte Alta tem sua gestão dividida pelos três irmãos Nunes, e alia inovação à tradição nos negócios do leite.
O número três tem força: pode ser entendido, pela ciência e religiões, como o número do equilíbrio e da perfeição; ou a união entre a mente, o corpo e o espírito. Pode assumir a figura do triângulo ou representar a junção do passado, presente e futuro.
A Fazenda Ponte Alta, localizada em Formiga/MG, parece carregar tudo o que esse algarismo tem de especial. A tradição na produção agropecuária está registrada na casa antiga, erguida pelo Coronel Nunes, há mais de duzentos anos.
A herança - das terras, do conhecimento e do pensamento empreendedor, não se perdeu no tempo. Na atividade do leite, o Sr. Paulo Nunes, pai de 10 filhos, abriu caminho para a criação de um negócio duradouro e que já está na terceira geração. Na sua ausência, a fazenda se dividiu pelos três filhos, Marcos, Ricardo e Sérgio Nunes, que garantiram a prosperidade, associando inovação à tradição nos negócios do leite.
A conversa, regada a café passado na hora, na grande mesa de madeira, a céu aberto, contou com uma volta no tempo, emocionante e repleta de casos que deixam claro que é a família unida que faz o negócio crescer.
GESTÃO FAMILIAR
“Meu pai, Paulo Nunes, faleceu aos 88 anos. Desde os 18 ele trabalhou nessas terras”, conta Marcos. Disse que lá já se plantou café, algodão e se criou gado de corte. “Foi em 1970 que ele começou a desbravar o cerrado”. Naquela época, não havia estrutura para a criação de gado leiteiro, em virtude do clima e da falta de alimento para os animais. O patriarca encarou as adversidades e começou a plantar soja e milho. “E ele foi crescendo: em meados dos anos 1970, já tinha colhedeira automotriz, algo que não existia na região”.
O leite foi uma paixão do Sr. Paulo e, ainda nessa época, investiu na primeira ordenha mecânica, “balde ao pé”. A inseminação artificial foi outra inovação para a época. “Meu pai estudou pouco, mas era muito empreendedor. Começou numa época em que ninguém plantava, estocava ou pensava em inovar. Foi um homem corajoso”, afirma emocionado Marcos.
“Em 1985, viemos eu e meus irmãos para trabalharmos com o meu pai”, se lembra Marcos. Sérgio complementa que, naquela época, a fazenda produzia menos de 1000 litros de leite/dia. Aos poucos e com muita dedicação, chegaram a 10 mil litros de leite/dia, apenas cinco anos depois.
Com a partida do pai, os três irmãos assumiram suas fazendas de forma separada: mantiveram o nome, Fazenda Ponte Alta, e cada um faz a gestão do seu retiro. Só que a fraternidade se estende aos negócios: comerciam insumos, discutem os investimentos, dividem máquinas e vendem o leite. Em conjunto, produzem cerca de 20 mil litros de leite/dia.
“Meu pai sempre gostou da família unida. Fazia muita conta, era bom em matemática. Era honesto e ajudava muito as pessoas. Esse é o legado que ele deixou para nós”, conclui Ricardo.
Esse legado continua com a terceira geração dos Nunes no negócio do leite. Todos os três têm, em suas fazendas, filhos que estão assumindo a gestão.
O médico veterinário Douglas, filho do Sérgio, que conduziu a visita à Ponte Alta, assim como a Carol, filha do Marcos, reforçam o compromisso da família na gestão. “É uma responsabilidade muito grande. Meu avô iniciou enfrentando muitas dificuldades, a segunda geração lutou muito e nós, da terceira, temos que dar continuidade a essa história. Assumir algo que é da família é muito importante. Temos que preparar a quarta geração. Acredito que farão uma gestão mais automatizada, mais distante da produção”, afirma Douglas. Carol, que assumiu a fazenda há pouco tempo, se diz realizada com as funções, embora declare que não é nada fácil. “É um trabalho diário para sermos melhores. Temos muito investimento a fazer pela frente, para alcançarmos o que queremos. Por isso, não paro de estudar”. O pai, Marcos, diz orgulhoso: “Muita coisa melhorou na fazenda com a chegada da Carol. Tenho muito orgulho.”
FAZENDAS ESPELHADAS
A partilha da fazenda deixou, para cada um dos três irmãos, 86 hectares de terra e um número semelhante de animais. O que há de diferente entre as três fazendas são as instalações. Na fazenda do Sérgio, a opção pelo compost barn foi feita há três anos. Marcos construiu uma réplica há um ano, e o sistema do Ricardo está em construção, seguindo os mesmos moldes.
Cada fazenda tem hoje cerca de 250 animais confinados em cada retiro (exceção é a fazenda do Ricardo, com o gado semi confinado), divididos em quatro lotes – primíparas, pré-parto, alta produção e final de lactação. O primeiro ano de compost barn foi cheio de desafios, para as duas propriedades. Embora os casos de mastite tenham caído imediatamente, apenas depois do primeiro ano de operação do novo sistema, com a chegada de gado jovem e adaptação ao composto, os bons resultados começaram a aparecer.
“Tivemos um grande aumento de custos, com a cama e energia elétrica e, de imediato, não tivemos ganhos na produção”. Ele explica que esses resultados podem estar atrelados ao fato de o gado não estar geneticamente adaptado ao confinamento. Além disso, afirma que a reprodução continuou sendo feita nos moldes do que se fazia antes. “Tínhamos poucos animais emprenhando no verão e isso se refletiu aqui dentro. Investir na melhoria dos protocolos de reprodução foi necessário para que o sistema de produção começasse a operar com sucesso”.
AVANÇOS NA REPRODUÇÃO
O desempenho reprodutivo do rebanho leiteiro é responsável pela produção de leite por dia de vida útil da vaca, número de animais de reposição, aumento do ganho genético e decréscimo do descarte involuntário. Por esses motivos, a Fazenda Ponte Alta investe nos cuidados com a reprodução, adotando protocolos que busquem aumentar a capacidade de emprenhar mais vacas, em menor tempo.
Como o gado vinha do sistema semi-confinado, Douglas pondera que ainda vai levar um tempo para que a reprodução atinja seu potencial. “O confinamento melhora o bem-estar dos animais. Mas, como tínhamos muitas vacas emprenhando no inverno, elas estavam parindo sempre em datas muito próximas. Esse desequilíbrio está sendo alterado com a primíparas. Assim, com o tempo, já estamos conseguindo equilibrar com os partos no verão.”
Breno Lobo, consultor técnico da Fazenda Ponte Alta, descreve os protocolos: “de acordo com a estrutura do gado nas três fazendas, adotamos o mesmo protocolo, que chamamos de 7-9-11. São duas doses de prostaglandina - uma no dia 7 e outra no dia 9 - e a inseminação é feita no dia 11. Esse é o protocolo que tem gerado os melhores resultados na Ponte Alta”. Além disso, ressalta que é importante que haja uma programação do número de inseminações a serem realizadas, de forma que se tenha uma frequência homogênea de partos a cada mês. A falta de atenção a esse detalhe pode gerar concentração de partos e uma superlotação do bezerreiro.
BEZERREIROS IDÊNTICOS
Os três retiros têm bezerreiros idênticos. “Temos um protocolo aqui na fazenda: quando as vacas parem, o colostro é analisado com refratômetro e, se estiver dentro dos padrões, é oferecido às bezerras, caso contrário, se descongela colostro do banco”, explica Douglas.
O sistema tropical acolhe as bezerras a partir dos 7 dias de vida. Em cada bezerreiro, há cerca de 40 animais. Algumas adaptações foram feitas: instalaram-se telhados, ao invés do tradicional e camas de areia para os animais. As bezerras são alimentadas com leite de transição, até os 60 dias. São fornecidos 5 de litros por dia, mais 300g de leite em pó para adensá-lo, divididos em duas mamadas. Dos 60 aos 90 dias, os animais seguem para o coletivo e passam a consumir 4 litros de leite/dia, em apenas uma mamada, até o desmame, aos 90 dias, com cerca de 120 kg de peso vivo.
O CAMINHO PARA A ORDENHA
As vacas saem do galpão de compost barn e, sozinhas, percorrem um pequeno caminho até a sala de ordenha. Na sala de espera são recebidas com conforto e bem-estar, evitando-se o estresse térmico por meio da aspersão de água. Esse procedimento é fundamental para o bom desempenho produtivo.
A ordenha dos três retiros é uma linha média de 10 conjuntos, operada por dois funcionários, em três turnos. A produção conjunta dos irmãos Nunes, que soma cerca de 20 mil litros/dia, é entregue para o Laticínio Embaré.
Uma ferramenta da qual a fazenda não abre mão é a somatotropina bovina (bST). De acordo com o consultor técnico, Breno Lobo, o hormônio tem aumentado a produção de leite em cerca de 4 litros por vaca/dia.
Na Fazenda Ponte Alta, os pilares das boas práticas agropecuárias vão além de instruções afixadas nas dependências da fazenda: são buscadas e praticadas. Prova disso, são as bonificações recebidas pela fazenda, resultado da qualidade do leite. “Recebemos incremento por litro de leite em virtude das práticas implementadas. Estamos seguindo para a segunda fase, melhorando o manejo, o que provoca resultados positivos para as pessoas e animais envolvidos na produção”.
Dentro dessa busca pela qualidade e pelo bem-estar dos animais, Douglas afirma estar concluindo a montagem do laboratório de análise de cultura microbiológica de leite na fazenda. Ele afirma que “fazer a análise dentro da propriedade auxilia nas decisões de tratamento para os casos de mastite clínica, além de identificar determinadas espécies de microrganismos”.
Os sistemas de diagnóstico microbiológico, quando realizados na fazenda, possibilitam a tomada de decisão adequada quanto à utilização e tipo de antibióticos, se tornando ferramenta para a elaboração de uma terapia adequada para cada caso de mastite.
Na Fazenda Ponte Alta a receita para a prosperidade parece se desenhar com a mistura da tradição com uma boa pitada de inovação. A família segue unida somando o passado com o presente, sem perder o olhar no futuro.
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